Introdução
Os capítulos anteriores (12 e 13) mantiveram uma forte ênfase na questão do amor em relação aos outros, então, parece natural que Paulo prossiga demonstrando através de um exemplo o que significa a vida do crente em amor. Vai observar o modo de vida de cristãos em Roma; uns eram mais amadurecidos na fé (fortes), mas outros, ainda não tinham sua fé consolidada (fracos), e por isso corriam riscos de serem ou se escandalizarem pelas atitudes daqueles. Paulo não está levantando questões em torno de caráter, e sim da fé “quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o...” (v.1), ou seja, aceitai aquele que (ainda) é fraco na fé, mas sem repreensões, sem preocupação de debates e discussões inúteis sobre questões controversas. Paulo inicia este trecho mostrando o que é uma atitude de maturidade espiritual - acolher quem é fraco na é, não, porém, para discutir opiniões! (ou seja, questões secundárias inúteis).
Acreditamos que o que Paulo pretende demonstrar é que ainda existem cristãos (imaturos), não por falta de temperança ou domínio próprio, mas porque estes ainda têm certas indecisões na sua vida de fé... Isso, se deve à falta de uma consciência mais madura e esclarecida, por não terem amadurecido na fé e conhecimento.
Dica de estudo:
Leia primeiro o capítulo 14 de Romanos na sua Bíblia; depois os textos complementares de apoio.
Análise do texto – Vers. 1–23
(1) “Ora, quanto ao que está enfermo (fraco) na fé, recebei-o (acolham-no), não em contendas sobre dúvidas (discutir opiniões e questões secundárias não essenciais à fé). Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco (na fé), come legumes (ou vegetais). O que come (de tudo) não despreze (ou menospreze) o que não come; e o que não come, não julgue (não deve condenar) o que come; porque Deus o recebeu por seu (i.e. Deus o acolheu como ele é, com suas fraquezas e limitações). Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar (manter em pé; sustentar). Um faz diferença entre dia e dia (acha que existem dias mais importantes; ou mais sagrados que outros), mas outro julga (entende que são) iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente (tenha opinião definida; clara em sua mente). Aquele que faz caso do dia (que pensa que existem dias mais importantes; ou, um dia especial), para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor o não faz. O que come (de tudo), para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Porque, se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte (independente de) que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor. Porque foi para isto (para esse fim) que morreu Cristo, e ressurgiu, e tornou a viver, para ser Senhor, tanto dos mortos, como dos vivos. Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo. Porque está escrito: Como eu vivo, diz o Senhor, que todo o joelho se dobrará a mim, E toda a língua confessará (dará louvores) a Deus. De maneira que cada um de nós dará conta (prestará contas) de si mesmo a Deus.” (Romanos 14.1-12 – ACF)
Na introdução deste capítulo estabelecemos a questão levantada por Paulo desde o versículo 1 – como lidar com a questão dos mais fracos na fé? Recebendo-o, acolhendo-o. Muitos dos conflitos entre irmãos cristãos se devem a questões inúteis, sem propósito e que acabam causando angústia, tristeza, dor, etc. Paulo inicia mostrando que devem ser aceitos e acolhidos todos, ainda que sua fé não esteja plenamente consolidada e neste caso, tratam com excessos questões que para aqueles mais fortalecidos não têm tanta importância. Por outro lado, podemos ver que muitas vezes se confunde intolerância e espírito de crítica, com o amor e zelo, este sim deve ser demonstrado com atitudes de compreensão e esclarecimento para que possamos ser instrumentos do Senhor no aperfeiçoamento daqueles que estão apenas iniciando na sua caminhada de fé, ou que estão tendo dificuldades em amadurecer (Hb 5.12,13). A debilidade ou fraqueza na fé não é um pecado e sim uma clara evidência de que aquele irmão precisa ser consolidado e fortalecido no Espírito, e muitas vezes, os instrumentos para esse propósito somos todos nós (os que são mais fortes) em relação aos outros, os mais imaturos. Precisamos acolher em amor e promover a comunhão. Não pode existir desprezo por aqueles cujas atitudes demonstram a fraqueza de fé, ou seja, a imaturidade de consciência para certas questões, como o que se pode ou não comer, ou fazer, ou observar... (a comida aqui é usada como exemplo de regras e normas culturais e de higiene da época). Seja o que “come de tudo”, ou o que se preserva em certos alimentos, deve existir respeito e aceitação, principalmente nas questões que não são primordiais à salvação; essenciais à fé.
Uma outra questão que Paulo levanta, está relacionada a festas (como lua nova), ou dias sagrados, importantes ou especiais. A pergunta que deve nos orientar nestes casos: “Isto é de fato importante, glorifica a Deus, foi santificado, ordenado por Deus?” Por que precisamos indagar sobre isto? Porque muitas vezes temos a tendência de espiritualizar ou exacerbar aquilo que Deus e Sua Palavra apenas estabelecem como princípio para conduzir a vida de fé de seus filhos, e muito, tornam isso como uma doutrina ou até mandamento absoluto. A igreja havia estabelecido o primeiro dia da semana como “O Dia do Senhor”, o dia da ressurreição (Lc 24.1-9) e os discípulos passaram a reunir-se para o partir do pão neste dia (At 20.7); ofertas eram levantadas neste dia como os coríntios faziam (1 Co 16.2), então o primeiro dia, o dia do Senhor passou a ser importante na igreja do primeiro século. O detalhe é que em vez de ser uma obrigação (mandamento) como era o sábado judeu, era um dia de descanso dos afazeres e um privilégio de poderem dedicá-lo ao louvor do Senhor e comunhão dos crentes, estabelecido como um princípio na caminhada do crente (fazia parte do viver daqueles crentes) – descanso, prazer em ter um dia que significasse mais que uma ordem e sim um modo de vida do adorador. Contudo, muitos, ainda na velha prática condenavam a não observância do sábado, mas em nenhum lugar do Novo Testamento existe a ordem de guardar o sábado, nem Jesus afirmou isso. À semelhança do alimento, aquilo que é dedicado e aprovado (aceito) pelo Senhor não deve nos afastar da comunhão ainda que não atendamos para as mesmas coisas. Se Deus nos aceita como somos quem somos nós para julgar nossos irmãos sobre o que fazem ou deixam de fazer? Se Deus não os condena ou disciplina por isso, não somos nós que o devemos fazer. Afinal, nenhum de nós vive para si mesmo, por isso, em tudo devemos ser agradecidos a Deus. Somos todos do Senhor, seus servos, é Ele, o Único que tem poder para determinar o que pode ou não em nossas vidas. O Espírito Santo fará isso e podemos ver que Deus manterá na fé (no caminho) tanto um como o outro, seja um forte e o outro fraco, ambos lhe pertencem. Além disso, existe o fato que todos seremos julgados ante o Tribunal de Cristo1 e este não é para julgar ímpios e sim os crentes e suas obras. Sejam fracos ou fortes, sendo salvos, todos comparecerão para prestar contas a Deus de sua conduta na vida pessoal e no serviço ao Senhor. Percebamos que as contas serão prestadas a Deus e não uns aos outros. Não é isso que muitas vezes temos feito como igreja? Agimos sem autoridade e conhecimento e interferimos em questões que são entre nós e Deus. Precisamos orar sim uns pelos outros, apoiarmo-nos, mas nos preocuparmos mais com nossa conduta pessoal em relação a Deus e nossos irmãos, do que avaliarmos e julgarmos a deles.
(2) “Assim que não nos julguemos mais uns aos outros (abandonar o costume de julgar); antes seja o vosso propósito (tomem a decisão de) não pôr tropeço (obstáculo; ou estorvem) ou escândalo ao irmão. Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa (ou alimento) é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda (que pensa ou considera que é imunda ou impura); para esse é imunda (impura). Mas, se por causa da comida (daquilo que se come) se contrista (se entristece) teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas (teu irmão) por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu. Não seja, pois, blasfemado (difamado) o vosso bem (que consideram bom); Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. Porque quem nisto serve a Cristo agradável é a Deus e aceito (aprovado;)
estimado) aos homens. Sigamos (promovamos), pois, as coisas que servem (contribuem) para a paz e para a edificação (aperfeiçoamento) de uns para com os outros. Não destruas por causa da comida a obra de Deus. É verdade que tudo é limpo (puro), mas mal vai para o homem que come com escândalo (ou seja, não é bom quando alguém come algo que causa escândalo, vergonha; ou alguém vir nisso um motivo de escândalo). Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça. Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova (sua consciência não pesa ou acusa). Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé (não está crendo de forma madura ainda em questões como essa); e tudo o que não é (ou não provém) de fé é pecado.” (Romanos 14.13-23 – ACF)
Com a expressão “não nos julguemos mais uns aos outros” (v.13), o apóstolo vai estabelecer neste trecho argumentação forte para que o costume de críticas, preconceitos e julgamentos, seja abandonado. Ao invés de julgamentos inúteis devemos sim ter o cuidado de não levar ninguém a tropeçar (cair), ou escandalizar-se. Primeiro falou-nos em acolher os fracos, agora estabelece que, práticas que geram dissensões e conflitos, não devem fazer parte da vida cristã, sob o risco de destruir a vida de muitos que não terão a fé consolidada suficiente para lidar com questões de desprezo, repúdio, crítica, etc. Qual a relevância da “comida” (ou algo semelhante), para que um irmão seja ofendido por isso? Entristecê-lo e até levando-o a pecar, isso sim é sério! Mas, em relação ao comer, tudo o que comemos é santificado pela oração (1Tm 4.5). Coisas secundárias à legítima fé devem ser colocadas nessa posição - secundária. Não estou afirmando que não existam, mas que devem ser relegadas a segundo plano para não destruírem a fé de ninguém. Um exemplo para esclarecer isso: Se alguém acha errado comer carne de porco (porque não deve ou não gosta, ou outro motivo), então, para essa pessoa é errado e pronto! Não se deve forçar ou argumentar sem propósito, senão estaremos indo contra a sua própria consciência; se para outros é lícito, muito bem, então coma, mas em tudo dê graças e não cause escândalo, ou seja, aquilo que é bom para vocês não se torne um motivo para maledicência. O que Paulo está demonstrando é que devemos dar mais valor aos nossos irmãos do que à carne de porco ou de cobra ou de tatu, etc., que eles comem. Quando Paulo fala de pureza ou impureza referindo-se a essas questões, são de fato as secundárias, aquelas que não interferem na qualidade moral (como por exemplo “alimentar-se” de conteúdo pornográfico, imoral), ou espiritual e delas não depende a salvação de ninguém. O apóstolo vai além asseverando a qualidade do reino de Deus que não se baseia em aparências externas e sim no amor gerado em nossos corações que produz verdadeira paz e alegria no Espírito. Paz e edificação (aperfeiçoamento) caminham juntas na vida cristã; se estamos em paz crescemos na fé de forma saudável e eficaz, com entendimento, sabedoria e presença do Espírito Santo. Motivos de tropeço e escândalo em nada cooperam para essa paz e edificação. Nesse sentido é muito melhor abstermo- nos de “comer carne e beber vinho” (v. 21), do que ofendermos a um irmão fazendo-o enfraquecer (perder a paz), ainda mais levando-o a cair. Às vezes, aqueles que estão fortalecidos (consciência amadurecida e esclarecidos), precisam (em amor) entender que, abrir mão de certos direitos e privilégios pelo bem de outro, é um preço pequeno a pagar por uma alma que Deus também ama como a nós mesmos. A liberdade de consciência deve existir no meio cristão, sem acusações ou julgamentos e o apóstolo mostra isso, afirmando que “seja qual a for a tua doutrina ou forma de acreditar nestas questões, guarda-a com convicção (não ostentes isso de forma desnecessária e até inútil diante dos que podem ser fracos), é assunto entre você e Deus...” (v.22). Precisamos lembrar que bem-aventurado, antes de não se condenar, é todo aquele que evita que outros tropecem e caiam. O não crer (ou não ter consciência) que algo é lícito, que não provém de fé pode ser pecado? Sim, porque aquilo que um ser humano faz sem que ele tenha plena certeza de que é lícito (ou pode fazer), para ele constitui-se pecado. Com o passar do tempo e com amor e dedicação, ele será esclarecido e sua fé fortalecida e espiritualmente ele amadurecerá, deixará de ser “menino” (1Co 3.11; 14.11; Ef 4.14; Hb 5.13).
Que todos nós possamos crescer na graça e conhecimento do Senhor (2Pe 3.18), e chegarmos a uma medida de estatura de fé sólida e consciência pura que de nada possamos ser acusados, nem por nossa consciência, nem por outros irmãos e muito menos, pelo inimigo.
Deus vos abençoe e vos guarde...
Dicionário bibliográfico:
1 “Tribunal de Cristo” (gr. “Bêmatos tou Christou”) – as obras dos crentes (santos salvos de todos os tempos) serão julgadas após o arrebatamento da Igreja e cada um receberá galardão (recompensa; louvor, reconhecimento) de acordo com o propósito e motivação com que serviu ao Senhor (2Co 5.10). O apóstolo Paulo mostra como será conduzida a avaliação das obras neste tribunal (1Co 3.10-15). Ainda que este não seja um momento para condenação para nenhum dos que comparecerem, precisamos ter em mente que todos nós seremos responsáveis perante nosso Senhor e será muito triste e vergonhoso, estarmos perante o Juiz Justo, não tendo nada de bom para apresentar e sermos salvos apenas pela sua misericórdia, sem direito a galardão, “salvos como que pelo fogo” (1Co 3.15).
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